A idade em que me encontro - quase 30 anos - tem me permitido assistir de camarote como pessoas da minha faixa etária vão lentamente entrando nessa dança de gastar o que ganham sem grandes preocupações.
O fenômeno inicia quando, depois de alguns anos no mercado de trabalho, o jovem adulto finalmente começa a ganhar uma remuneração que considera digna.
É nesse momento que a grande maioria das pessoas, deslumbradas com um poder de compra que nunca tiveram, querem experimentar o melhor que sua nova capacidade financeira pode oferecer, e ao proceder dessa forma entram numa espiral de consumo geralmente sem saída.
Mas não se trata apenas de uma questão de experimentar o melhor: o brasileiro médio sente uma necessidade enorme de se exibir perante terceiros, e está mais do que disposto a pagar caro pra "mostrar que está bem".
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Como eu vejo o Facebook: "Olá amigos. Eu tô bem. Comentem com os outros sobre como minha vida é maravilhosa, por favor. E deem like na minha foto". |
Postar seu extrato bancário no seu perfil do Facebook só faria você se passar por doido, então a forma "socialmente adequada" de massagear seu próprio ego perante terceiros não é mostrando que você tem dinheiro em espécie, e sim transformando a grana em bens materiais, como uma camisa de R$ 400,00, um carro de R$ 80 mil e ingressos de R$ 150,00 para baladinhas caras, para o deleite dos fabricantes de camisa, das montadoras e dos organizadores de festinhas.
A busca por mais conforto, o vício nos pequenos prazeres de curto prazo e a necessidade de se exibir para os outros encarece e muito o custo de vida - é a famosa "
inflação do padrão de vida" - e quando a pessoa se dá conta,
o que ela enxerga como sua própria vida envolve uma estrutura muito cara de se manter.
Um exemplo bem interessante da inflação do padrão de vida vem de 247 anos atrás, quando o filósofo francês Diderot escreveu um pequeno texto intitulado "Regrets on Parting with My Old Dressing Gown".
Como o texto em questão é chato pra cacete, eu prefiro resumir pra vocês do que recomendar que vocês leiam por conta própria:
Diderot estava feliz com o seu roupão velho e surrado, até que foi presenteado com um novo roupão de altíssimo nível.
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"Tô chique pra caralho com esse novo roupão", pensou Diderot |
Olhando ao seu redor, Diderot se deu conta de que, comparado ao seu elegantíssimo roupão novo, todas os bens dentro de sua quitinete pareciam uma grande bosta.
Sentindo-se mal por estar vestindo um roupão aristocrático enquanto vivia num cafofo cheio de móveis comidos de cupim, nosso amigo Diderot foi na Tok&Stok e comprou novos móveis, além de ter ido nas Lojas Americanas comprar novas panelas e outros utensílios domésticos.
O texto termina com Diderot se lamentando sobre como essa sua nova postura lhe entupiu de dívidas, e a conclusão apenas reforça o que ele afirma logo no começo do texto: que ele era o mestre de seu roupão velho, mas se tornou um escravo do seu novo roupão.
Botando a firula de lado, o que Diderot quis dizer é que antes ele controlava sua própria vida, mas depois se tornou escravo do novo padrão que passou a ostentar, já que manter esse padrão custa caro e lhe endivida.
Esse conto é legal porque a grande maioria das pessoas são vítimas do efeito Diderot: vão introduzindo bens cada vez mais sofisticados em sua vida, e quando menos se dão conta estão numa espiral de consumo que, como eu disse antes, costuma ser um caminho sem volta.
Para explicar de forma bem didática porque a inflação do padrão de vida costuma ser um caminho sem volta, permitam-me contar para vocês uma história real:
Uma vez um conhecido me disse: "
Madruga, não tenho mais de onde cortar despesas, onde dava pra cortar eu já cortei".
Conhecendo bem a pessoa, eu poderia ter respondido: "
Tem tanta despesa que você pode cortar que eu nem sei por onde começar. Troque Sky por Netflix, venda um de seus carros, venda sua moto, demita sua empregada, mande seu filho arranjar um estágio, mude para um prédio em que a taxa condominial não seja R$ 1.000,00/mês".
Essa resposta ficou só no meu pensamento. Tomado pelo bom senso, limitei-me a dizer: "
pois é, não tá fácil pra ninguém", primeiro porque não queria me meter na vida dele, segundo porque o alto padrão de vida está tão fundido com a identidade dele, que ele sequer consegue enxergar aquilo tudo como despesas passíveis de serem cortadas, embora na minha perspectiva ele tivesse coisa de sobra para cortar.
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"Já cortei todas as despesas possíveis" |
É aí que tá o problema: o seu padrão de vida se confunde com sua identidade, e abrir mão do "padrão conquistado" traz abalo psicológico para a maioria das pessoas, que se enxergam nas posses que têm.
Agora eu lhes pergunto: a pessoa que inflou o padrão de vida está melhor do que a pessoa que não inflou, inclusive em termos de conforto? Aos olhos da sociedade a resposta é "sim, com certeza!", mas com base em uma visão mais racional, a resposta correta é não necessariamente.
Digo isso pois, pensando em termos de bem-estar, uma pessoa que mora num apartamento de 50 m² com móveis de segunda mão pode estar se sentindo bem melhor do que uma pessoa que mora em um apartamento de 150 m² com móveis planejados, por mais que a princípio isso pareça um contrassenso.
Não é um contrassenso pois a sensação de bem-estar é interior, e há quem tenha se programado para morar pequeno e esteja se sentindo bem melhor com isso do que a pessoa que inflou o padrão de vida.
Outro detalhe curioso é que, ao inflar seu padrão de vida, você tende a se sentir recompensado no curto prazo, mas no longo prazo você se acostuma com tudo que "conquistou", e ao se acostumar as suas "conquistas" não te impressionam tanto assim.
A título de exemplo: minha empresa tem uma vista privilegiadíssima, ao ponto dos clientes que aparecem por lá sempre ficarem impressionados e quererem tirar foto, inclusive conheço duas pessoas que usam fotos da vista da janela da minha empresa como wallpaper de celular.
Eu tenho consciência de que a vista é privilegiada, mas depois de cinco anos convivendo com ela é exatamente assim que me sinto toda vez que alguém aparece e solta um "
caramba, que vista!":
É dizer que, mesmo tendo uma vista privilegiada no meu local de trabalho, anos convivendo com aquilo tiraram qualquer sensação de empolgação que existia dentro de mim, e o mesmo acontece com qualquer coisa relativa à inflação do padrão de vida: quando você acostuma com o padrão mais alto, a tendência é que a graça vá embora, embora o custo permaneça.
A minha vida enquanto ser produtivo tem sido uma verdadeira renúncia à inflação do padrão de vida. Desde que comecei a ganhar algum dinheiro, não busquei nada além de um teto para dormir, computador com internet e livros, isso sem a sensação de que estou fazendo um grande sacrifício.
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