Salvadores da pátria também mamam
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Salvadores da pátria também mamam


Enquanto os poderes Executivo e Legislativo se afundam em suas merecidíssimas más reputações, muita gente deposita as esperanças do futuro do Brasil no Poder Judiciário, que ocasionalmente é personificado em algum juiz salvador da pátria, título que durante um tempo pertenceu ao Joaquim Barbosa e agora pertence ao Sérgio Moro (queridinho da mídia e das redes sociais).

Você certamente já ouviu falar da expressão "come-quieto", comumente atribuída à pessoa que está em alguma situação de vantagem e mantêm discrição quanto a isso, tipo seu amigo que encoxou a gostosinha da sala e não comentou com ninguém.

Pois bem, na nossa República, o Poder Judiciário é o come-quieto dos três poderes: enquanto o Executivo e o Legislativo ficam se digladiando na lama, o Judiciário mantém distância, deita e rola em privilégios bizarros, capazes de dar inveja aos mais proeminentes saqueadores dos cofres públicos.

Vejamos, pois, a mamata característica do cargo de juiz:

1) Carga horária que em regra é de 30h semanais (sem ninguém controlando seu horário de entrada/saída).
2) Nenhum controle sério sobre a sua produtividade, nem mesmo por parte do CNJ.
3) Remuneração de R$ 15-20 mil líquidos.
4) Auxílio-alimentação superior a R$ 1,2 mil, mesmo só trabalhando meio período.
5) Auxílio-moradia de R$ 4,3 mil, para todo e qualquer juiz, mesmo os que moram na própria comarca em que atuam.
6) Dois meses de férias por ano, isso sem contar o recesso do Poder Judiciário, que costuma ser de 15 dias, ou seja, você não trabalha dois meses e meio por ano.
7) Se você é juiz vinculado ao Tribunal de Justiça do RJ, que é o mais criativo dos tribunais estaduais, terá auxílio-creche se seu filho estiver na creche, auxílio-educação se seu filho estiver estudando, auxílio-oxigênio se seu filho respirar, e por aí vai.
8) 13º salário em todos os Tribunais, 14º salário disfarçado de abono-férias em alguns tribunais.
9) Ops, foi pego fazendo coisa errada? Não se preocupe, o Corregedor-Geral de Justiça vai te dar um beijo molhado na testa e uma pena de "advertência" para ninguém dizer que seu "equívoco" passou impune. 
10) Associações e órgãos de classe poderosos garantindo esses e outros privilégios com a retórica de que se tratam de "prerrogativas adequadas à relevância da função". 

Uma parte relevante do orçamento do judiciário é usado para arcar com os mimos das Excelências. Para vocês terem uma noção, 30% do orçamento da Justiça estadual aqui onde moro são voltados exclusivamente para remunerar direta ou indiretamente os juízes. Dinheiro que poderia ser usado para oferecer um serviço público menos horroroso, mas é aplicado em coisas como o auxílio-moradia das Excelências que, tadinhas, precisam desses R$ 4,3k para terem moradia digna, pois seus subsídios de R$ 20 mil líquidos certamente não são o suficiente para isso.

Chamei o Judiciário de come-quieto pois, como vocês podem ver, ele promove uma verdadeira farra com o dinheiro público, uma farra que costuma ficar longe dos holofotes por ser travestida de legalidade, e também porque criticar juiz não é algo que convém aos meios de comunicação.

Para quem quiser ter uma dimensão maior de como o Judiciário limpa a bunda com o seu dinheiro tanto quanto fazem os demais poderes, recomendo fortemente essa matéria da Revista Época publicada há alguns meses atrás (rara ocasião em que um meio de comunicação compilou a mamata judiciária).

Desembargadores discutindo novos auxílios para a magistratura: auxílio-pinto pro juiz que tiver pinto, auxílio-pepeca para a juíza que tiver xavasca e auxílio-ração pedigree premium gourmet pro magistrado que tiver cachorro.
Só uma parêntese: grande parte das críticas aqui atribuídas ao Poder Judiciário também se aplicam ao Ministério Público, que goza de privilégios iguais ou semelhantes por uma questão de simetria constitucional,  e às vezes cometem os mesmos absurdos que deveriam combater, tipo a portaria da Procuradoria-Geral da República dizendo que procurador em voo internacional pode usar classe executiva.

Assim como várias pessoas que estão lendo esse texto, tenho muito ceticismo em relação ao futuro do Brasil. Meu ceticismo, no entanto, não é por conta da conduta dos eleitos, mas sim porque as instituições que têm a relevantíssima função de processar e julgar os eleitos também chutaram o pau da barraca e tem como prioridade maior enriquecer sua cúpula, e isso é o último grau de degeneração de um Estado que se diz democrático.

Certamente torço para que o juiz da lava-jato desempenhe suas funções com o máximo de eficiência e imparcialidade possível, pois quero ver todo mundo que efetivamente cometeu crime no xilindró, mas ao mesmo tempo não me esqueço que o juiz em questão, assim como a grande maioria dos magistrados, também não abre mão de sua parcela na festa do cachorro louco que promovem com o dinheiro de reles mortais como você e eu.
 
R$ 4,3 mil só de auxílio-moradia também é roubo de dinheiro público. Dois meses e meio de férias/recesso também é corrupção.
A salvação não virá do Sérgio Moro, a salvação não virá do Judiciário: como sempre foi desde que os portugueses botaram os pés aqui, nenhum dos poderes constituídos leva a sério a distinção entre público e privado, nem têm muita paciência para diferenciar o lícito do ilícito quando o assunto é dinheiro.

Como se isso já não fosse grave o suficiente, cresce nas universidades uma cultura que parece botar o concurso público no topo das aspirações profissionais dos jovens, e um exército de milhões de estudantes sonham com o dia em que também poderão gozar dos mesmos privilégios antirepublicanos, que numa hermenêutica de quinta categoria chamarão de "prerrogativas previstas em lei".

Abraço!



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